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O Processo de Projeto Integrado na concepção de edifícios de alto desempenho

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Processo de Projeto Integrado (PPI)

O processo de projeto no Brasil, especialmente na concepção de envoltórias de alto desempenho ambiental encontra-se ainda muito linear e fragmentado, salvo exceções de incorporadoras e projetistas específicos e em projetos de maior visibilidade e complexidade. Ou seja, em sua maioria não representa o que se convencionou chamar de Processo de Projeto Integrado (PPI).

O conceito de Processo de Projeto Integrado (PPI) é hoje tema de atenção e discussão no mercado, porém ainda em estado de amadurecimento no Brasil. Em nosso país ainda trabalha-se muito com o conceito simplista de que um PPI é aquele em que os stakeholders trabalham juntos, discutindo interferências entre as disciplinas para que assim possam chegar à decisões de projeto em conjunto. Se analisarmos essa colocação, percebemos que não se difere em nada de um processo de projeto convencional durante a etapa de compatibilização. Faltam ainda elementos na prática massiva de mercado que possam caracterizar esse processo como PPI.

Para entendermos um PPI é necessário que se caracterize primeiro o processo convencional de projeto. O processo geralmente se inicia com o arquiteto e o cliente elaborando em conjunto um projeto conceitual, consistindo em estudo de massa, orientação, aspecto visual das fachadas e materiais básicos de acabamento. As disciplinas das diversas engenharias se encarregam posteriormente de selecionar e sugerir sistemas apropriados ao conceito. Esse é, portanto, um processo linear, pois a contribuição dos membros da equipe é sequencial. A contribuição de especialistas em áreas específicas na otimização do projeto é limitada, principalmente porque são envolvidos em fases avançadas de projeto. No caso das envoltórias, o envolvimento de especialistas em conforto ambiental e energia costuma ocorrer em fases posteriores à concepção arquitetônica e oportunidades se perdem na busca por índices melhores de eficiência energética, qualidade da luz natural e conforto térmico aos ocupantes. Se nesse processo, engenheiros e consultores forem competentes, irão sugerir estratégias capazes de melhorar os índices de desempenho do edifício, porém ao serem incorporadas em fases avançadas de projeto os benefícios tornam-se apenas marginais. A introdução de estratégias paliativas em fases subsequentes à concepção nunca será capaz de superar as decisões não acertadas no início do projeto.

Para contrapor ao processo convencional de projeto, explicando agora o processo de projeto integrado (PPI) gostaria de expor três referências internacionais que definem o tema. Cito a definição do iiSBE (International Initiative for a Sustainable Built Environment) pois entendo ser uma excelente forma de abordar a questão do ponto de vista da sustentabilidade, a seguir em tradução e interpretação livres do documento “iiSBE: The integrated design process: History and Analysis” [1] .

O cliente assume um papel mais ativo do que o convencional, o arquiteto se torna o líder da equipe ao invés do simples criador da forma e os engenheiros e especialistas assumem papéis ativos e consultivos no início do processo de projeto. A equipe sempre inclui um especialista em energia e conforto ambiental. As habilidades de engenheiros e especialistas técnicos é sempre introduzida na concepção, logo no início do processo de projeto. Testes de diversas opções de projeto fazem parte do processo, muitas vezes envolvendo simulações computacionais para informar as melhores decisões através de informações objetivas. O processo inclui especialistas específicos na equipe (exemplo: iluminação natural, conforto térmico, materiais, etc), para consultas específicas ao longo do processo. Sempre há metas claras de desempenho, sendo as mesmas constantemente monitoradas durante o processo de projeto.

Menciono também, como forma de complementar o raciocínio, duas outras fontes de respaldo internacional, o USGBC (United States Green Building Council) e o BRE (Building Research Establishment) do Reino Unido:

USGBC em tradução e interpretação livres[2]:

Equipes de um processo de projeto integrado devem desenvolver habilidades novas que não foram exploradas no passado em sua prática profissional. São elas: análise crítica e questionamento; comunicação e uma profunda compreensão dos processos naturais. O processo de projeto integrado requer mais tempo de maturação de idéias e colaboração durante as fases conceituais de projeto. É necessário gastar-se tempo em estabelecer metas de desempenho e na elaboração de análises e simulações que possam balisar as decisões antes de sua implementação no projeto.

BRE em tradução e interpretação livres[3]:

Trabalhar em conjunto com o cliente e o seu brief. A equipe principal de projeto é incorporada ao processo nos estágios iniciais para tomadas de decisão e questionamento do brief do cliente. No processo integrado, a equipe de projeto e o cliente interagem constantemente para considerar iterações diversas de opções projetuais. Dessa forma, os projetos têm a capacidade de culminarem em edifícios melhores em operação e com reduzido consumo energético quando comparados à processos tradicionais de projeto.

De forma a concluir, retomo minha afirmação inicial de que o processo de projeto no Brasil encontra-se ainda em sua maioria destoando dos princípios base do processo de projeto integrado. Especificamente na concepção de envoltórias de alto desempenho ambiental destaco com base em nossa experiência global em projetos sustentáveis alguns itens que julgo serem fundamentais na alteração desse cenário, corroborando com as referências supracitadas:

  • O cliente deve se envolver ativamente, em geral através de um gerente de projetos com habilidades multidisciplinares, com um brief claro e objetivo, metas de desempenho e processos de monitoramento durante as fases de projeto. No caso do projeto de envoltórias essas metas envolvem entre outras, metas para iluminação natural, conforto térmico, controle de ofuscamento e carga térmica máxima. Sem metas claras, não se pode medir o sucesso;
  • O arquiteto deve se tornar o líder da equipe (e não apenas um compatibilizador), observando o atendimento das metas de desempenho, ora defendendo e implementando suas idéias originais, ora cedendo à outros conceitos propostos por outros especialistas e adaptando seu projeto em prol do atendimento das metas ambientais;
  • As equipes de engenheiros e especialistas devem assumir participação ativa e principalmente de natureza consultiva (não apenas executiva). Os mesmos devem ser envolvidos sempre no início do projeto conceitual, podendo (e devendo) analisar criticamente e questionar o brief do cliente sempre que necessário para o atendimento das metas ambientais. As próprias metas de desempenho ambiental do cliente devem ser questionadas quando pertinente;
  • O processo deve sempre incluir especialistas nas diversas áreas do conforto ambiental e energia;
  • O processo deve admitir a produção de testes e simulações computacionais que estudem diversas opções de projeto, validando em última instância a mais adequada ao atendimento das metas de desempenho. Idéias pré- concebidas antes do início do processo de projeto devem sempre ser testadas, pois o que funcionou em um projeto específico no passado pode não funcionar em outros.

 

[1] The Integrated Design Process; History and Analysis. Nils Larsson, Executive Director International Initiative for a Sustainable Built Environment (iiSBE).http://www.iisbe.org/node/88

 [2] “Green Building 101: What is an integrated process?”. Tiffany Coyle. http://www.usgbc.org/articles/green-building-101-what-integrated-process

[3] https://www.bre.co.uk/filelibrary/pdf/projects/matrid/64093-MaTrid-Client-Guide_web.pdf

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Marcelo Nudel é arquiteto e urbanista e especialista em Arquitetura e Construção Sustentável com pós graduação pela Universidade de Sydney, Austrália. Atuou pela multinacional de engenharia Arup por 8 anos, coordenando projetos de significativa visibilidade em países como Austrália, EUA, Espanha e Brasil. Assessorou escritórios de arquitetura como como os de Norman Foster, Richard Rogers, Renzo Piano, Jean Nouvel, entre outros de relevância global na concepção de edifícios de alto desempenho ambiental. No Brasil, de 2012 a 2015 destaca-se sua atuação como coordenador de sustentabilidade nos projetos dos principais equipamentos das Olimpíadas Rio 2016 entre eles a Vila dos Atletas, o Centro Olímpico de Treinamento, o Centro de Mídia e o Velódromo. Fundou em 2016 a Ca2 Consultores Ambientais Associados, empresa de consultoria e gestão de projetos sustentáveis, conforto ambiental e eficiência energética de edificações, com atuação em projetos de relevância nacional (Novo Aeroporto de Florianópolis, Universidade Albert Einstein, Retrofit do Hospital Albert Einstein, entre outros) e internacional. É autor de diversos artigos técnicos de visibilidade e concedeu entrevistas à importantes mídias nacionais. Lecionou nas Universidades de Sydney e New South Wales (Austrália) e atualmente é professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Faculdade de Arquitetura Escola da Cidade.

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