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N4 – Dos vícios aparentes, ocultos e redibitórios no código civil em vigor

É crucial frisar que o vício oculto por sua definição só pode ser conhecido a posteriori da data da entrega do imóvel, e que vícios provocados posteriormente por terceiros não são da responsabilidade dos incorporadores ou construtores

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Este é o quarto (N4) de uma série de textos escritos pelo Eng. Paulo Grandiski para divulgar algumas importantes novidades resultantes das recentes alterações ocorridas nas normas técnicas e nas jurisprudências do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça.

Essas novidades são comentadas detalhadamente na 11ª edição impressa de seu livro Problemas Construtivos – I – Aspectos Técnico-Legais da Construção Civil, atualizada em agosto/2018, que os interessados podem comprar aqui.

Este texto N4 comenta no início os vários conceitos de vícios construtivos, mostrando os critérios classificatórios de distinção entre vícios aparentes e ocultos, para depois provar que nem todos os vícios ocultos são redibitórios, falhas que até advogados experientes costumam cometer.

Das falhas construtivas

Vícios

Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha de projeto, ou da execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção”. (definição que consta no item 3.75 da norma ABNT NBR 13752/Dez 96)

Vícios construtivos são, portanto, todas as falhas construtivas que causam prejuízo material ao consumidor, e que implicam em gastos financeiros para repará-los, ou seja, afetam o bolso do consumidor, e podem ser divididos em dois grandes grupos: os aparentes e os ocultos, tendo como distinção básica a data do recebimento das chaves do imóvel, como esclarecido a seguir.

Vícios Aparentes (quando do recebimento das chaves do imóvel)

São as falhas construtivas ostensivas, existentes quando do recebimento das chaves do imóvel, e facilmente detectáveis mesmo por leigos em construção. Exemplos: vidro quebrado ou manchado, diferentes tonalidades no revestimento ou na pintura, azulejo decorado aplicado de forma equivocada, quebrando o esquema do desenho geométrico projetado, falta de espelhos nas instalações elétricas, portas descoladas ou trincadas, vazamentos existentes no ato da entrega, material de acabamento empregado diferente do que consta do memorial descritivo de venda, trincas em vidros, espelhos ou aparelhos sanitários, vazamentos existentes no ato da entrega, etc.

Vícios Ocultos

São as falhas construtivas inexistentes no ato da entrega das chaves (ou só detectáveis nessa ocasião por técnicos especializados), e que surgem ou só são detectadas algum tempo depois da entrega das chaves do imóvel.

Nesta linha conceitual, os vícios são classificados como “ocultos” sempre em relação à data de recebimento das chaves do imóvel, quando eram desconhecidos pelo comprador. Assim sendo, eles só podem ser conhecidos “a posteriori” do recebimento das chaves.

Atenção: Quando surgem posteriormente, os vícios ocultos se tornam aparentes para o comprador, mas tecnicamente continuam sendo classificados como ocultos!

Exemplos: curto-circuito nas instalações elétricas, infiltrações ou vazamentos de água que são detectados apenas depois da entrega, trincas, fissuras, gretamentos de placas cerâmicas, recalques de fundação, inclinação de prédios, desbotamento da pintura da fachada, etc.

Vícios Redibitórios

Redibir, na língua portuguesa, significa “anular judicialmente uma venda ou outro contrato comutativo em que a coisa negociada foi entregue com vícios ou defeitos ocultos, que impossibilitam o uso ao qual se destina ou que lhe diminuam o valor”.

Assim sendo, ao pé da letra, o vício para ser redibitório deve ser de um tipo muito grave, desconhecido pelo comprador no ato da compra, e que, evidenciados mais tarde, daria direito a pleitear a redibição (anulação) do contrato, com pedido cumulativo de perdas e danos ou, alternativamente, com abatimento proporcional do preço.

Casos típicos de vício redibitório correspondem, por exemplo, à venda de casa em local sujeito a enchentes periódicas, fato omitido pelo vendedor ao comprador, no ato da compra, ou prédios que sofrem recalques diferenciais constatáveis até por leigos, desvalorizando o imóvel, falhas estruturais muito graves, que se não forem corrigidas, podem resultar em risco de desabamento da estrutura afetada, ou o próprio prédio como um todo.

Vícios RedibitóriosVícios ocultos que diminuem o valor da coisa ou a tornam imprópria ao uso a que se destina, e que, se fossem do conhecimento prévio do comprador, ensejariam pedido de abatimento do preço pago, ou inviabilizariam a compra” (conforme item 3.76 da ABNT NBR 13752/dez 96).

Observação: Esta definição precisa ser alterada em virtude da inovação introduzida pelo parágrafo único do art. 445 do novo Código Civil, que incluiu na categoria de vícios redibitórios o “vício que, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde.

Assim sendo, para serem classificados como “redibitórios”, os vícios ocultos devem ser suficientemente graves, estando neles incluídos:

  • Os vícios já existentes no ato da entrega (mas desconhecidos pelo comprador, naquele momento);
  • Os vícios ocultos que, por sua natureza, só possam ser conhecidos mais tarde.

Os vícios ocultos normais, que forem passíveis de correção em tempo razoável, não justificam o pedido de anulação do contrato. Alguns casos da jurisprudência têm aceito pedidos de redibição de contratos de incorporação de imóveis:

a) Em que o incorporador sequer havia iniciado as obras, na data prometida para a entrega das chaves;

b) Quando o incorporador deixa de cumprir cláusulas relevantes de um contrato, ou quando elas são executadas de forma incompleta, imperfeita ou imprópria, com resultado inadequado aos fins previstos no contrato.

Os vícios ocultos podem ser enquadrados em dois grupos:

Grupo I – Vícios ocultos redibitórios

São os vícios ocultos tão graves que, se o comprador deles tivesse conhecimento no ato da compra, ou não teria comprado, ou teria pedido abatimento do preço na compra. Mas se ele efetuou a compra, pelo preço de mercado e agora descobre esses vícios muito graves, pode redibir o contrato (pedir anulação do contrato, dentro do prazo prescricional de 1 ano previsto no art. 445 do Código Civil em vigor (CCV) e seu parágrafo único, comentados a seguir, cumulando pedido de perdas e danos daí decorrentes).

Este grupo, portanto, inclui:

a) Os vícios já existentes no momento da compra ou da entrega do imóvel ao comprador; mas que eram desconhecidos pelo comprador, que não teria sido alertado sobre eles pelo vendedor, embora um especialista pudesse considerá-los aparentes;

b) Os vícios que também existiam no momento da compra ou da entrega do imóvel ao comprador, mas de difícil detecção, mesmo por um especialista, ou que só surgem mais tarde, como vazamentos em conexões mal feitas nas instalações hidráulicas, portanto legítimos vícios ocultos.

É crucial frisar que o vício oculto por sua definição só pode ser conhecido a posteriori da data da entrega do imóvel, e que vícios provocados posteriormente por terceiros não são da responsabilidade dos incorporadores ou construtores. Em contraposição a esse grupo I de vícios ocultos graves, que podem dar margem a pedido de redibição do contrato, existe o grupo II:

Grupo II – Vícios ocultos não redibitórios

Esta nomenclatura foi introduzida pelo autor deste artigo em seu livro, e se refere aos vícios de menor gravidade, portanto que não podem originar o pedido de redibição (anulação) do contrato, ocultos para o comprador, quando da compra, e que só se exteriorizam ou são percebidos por ele mais tarde, mas para os quais é possível:

Mover ação de “obrigação de fazer”, no caso, de conserto desse vício oculto não redibitório, dentro do prazo prescricional de 10 anos do art. 205 do CCV, conforme jurisprudência mais recente do STJ (Resp 1.717.160 de 2018) que é comentado no item [148], da 11ª edição do meu citado livro. Atenção: doutrinadores anteriores, para estes casos, aplicavam equivocadamente o prazo prescricional de 1 ano do art. 445 do NCC.

Mover ação de reparação civil, dentro do prazo prescricional de três anos do art. 206 §3, inciso V, do CCV, para os vícios ocultos não redibitórios cuja reparação foi bancada pelo reclamante (precedida de produção judicial antecipada de provas).

Repetindo uma falha que já constava no art. 1101 do Código Civil anterior, o CCV utiliza a expressão “vícios redibitórios”  como sinônimo dos dois grupos de “vícios ocultos” acima citados, conforme fica muito claro comparando o texto do artigo 441 com o título que abre a sua “Seção V – Dos Vícios Redibitórios”., reproduzida a seguir:

Seção V – Dos vícios redibitórios

“Art. 441 – A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas

Art. 442 do CCV – Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441) pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

Art. 443 do CCV – Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.

Art. “444 do CCV – A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição”.

“Art. 445 do CCV – O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

Comentário-Resumo: É de 1 ano o prazo para redibir o contrato (anulá-lo, com pedido de perdas e danos, ou, alternativamente, pedir abatimento de preço), contado da entrega efetiva (exceto se já estava na posse, quando esse prazo se reduz para a metade, ou seja, 6 meses).  Se o vício for “do tipo que surge mais tarde”, aplica-se o prazo adicional de 1 ano do §1º do art. 445 do NCC. A interpretação doutrinária majoritária do §1º do art. 445 é a de que se o vício suficientemente grave, do tipo que surge mais tarde, aparecer no último dia do prazo concedido no caput do art. 445, o reclamante teria ainda mais 1 ano para pleitear a redibição (conforme regra do parágrafo único), totalizando no máximo, neste caso, 2 anos da data da entrega do imóvel.

CCV Art. 446 – Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.”

Comentário: O art. 446 do Código Civil em vigor impõe duas restrições: o prazo decadencial de 1 ano para os imóveis, citado no caput do art. 445 não corre na vigência de prazo de garantia, mas, em compensação, se o defeito surgir dentro desse prazo de garantia, ele deverá ser comunicado ao vendedor dentro do prazo fatal de trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de ser declarada sua decadência.

A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça interpreta que o prazo de cinco anos do art. 618 do Código Civil em vigor, é o prazo de garantia de solidez e segurança da construção civil.

Já para outros prazos de garantia da construção civil, principalmente nas relações de consumo (por interpretação do disposto no art. 39, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor) têm sido aplicados os prazos do Anexo D da norma ABNT NBR15575-1, e as estimativas de intervalos de prazos do seu Anexo C, para obras entregues a partir de 13 de julho de 2013.

Texto atualizado em 15/01/2019.

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Engenheiro civil, formado em 1962 pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, com curso de pós-graduação “lato sensu” em Engenharia de Avaliações e Pericias pela Unisanta. Atuou como projetista, incorporador e executor de prédios residenciais e industriais na cidade de São Paulo durante 30 anos. É professor e palestrante sobre Perícias em Edificações e Avaliações de Imóveis Urbanos em vários congressos, cursos de pós-graduação “lato sensu” e palestras ministradas nas cidades de Araçatuba, Aracaju, Belém, Brasília, Chapecó, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Foz do Iguaçu, João Pessoa, Goiânia, Londrina, Maceió, Manaus, Maringá, Natal, Presidente Prudente, Porto Alegre, Recife, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Salvador, São José do Rio Preto, Teresina, Vila Velha, e Vitória, com destaque para vários cursos de pós-graduação “lato sensu” e para entidades como FAAP, IBAPE/SP, IDD, IPOG, IPT, MACKENZIE, MOURA LACERDA, SENAC e UNISANTA. É comoderador do grupo de discussão “periciasevaliacoes”, sediado no YAHOO e autor do livro PROBLEMAS CONSTRUTIVOS – I – Aspectos Técnico-Legais da Construção Civil, atualmente na 11ª. edição

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