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Distratos e forma de contabilização das receitas no setor imobiliário. O que tem uma coisa a ver com outra?

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Close-up of a modern business team using tablet computer to work with financial data

Valor Econômico nessa semana divulga a decisão do Ifric (comitê de interpretações das normas contábeis IFRS), que ao ser consultado pelo CPC (comitê de pronunciamentos contábeis), definiu que as receitas das incorporadoras devem ser reconhecidas apenas no momento da entrega das chaves das unidades. Esta decisão, se de fato for confirmada, deverá valer a partir de 2018. Aparentemente é uma decisão pouco relevante para os consumidores, tendo a ver mais com o mundo das demonstrações financeiras das incorporadoras de capital aberto. Entretanto, considero esse tema extremamente relevante para o setor, e altamente relacionado à discussão do tema dos distratos de venda, que tem atraído a atenção de todos os envolvidos com incorporações no Brasil.

A CVM tentou convencer o órgão do contrário, alegando que a adoção desse método causaria distorções e tornaria as demonstrações financeiras das incorporadoras inúteis. Acho estranho essa alegação, pois como mostro abaixo, o método atual já apresenta distorções, entre elas o fato de que o EBITDA (lucro antes de impostos, juros, amortizações e depreciações) no setor não serve para nada. Nos demais setores, o EBITDA funciona como uma medida da geração de caixa da empresa. No caso do setor imobiliário não é, pois, as receitas pelo POC (explicação abaixo) não são entradas de caixa. Portanto o EBITDA no setor não reflete a realidade da geração de caixa das empresas.

Na minha opinião, essa questão tem que ser analisada com o olhar mais abrangente para o setor. Precisamos enxergar o modelo de incorporação adotado no Brasil, e suas distorções.

Já escrevi em artigos anteriores sobre os distratos, e tenho a firme convicção de que deve haver uma regra clara, embora em minha opinião o setor caminhe velozmente para um modelo de incorporação em que a venda na planta como a conhecemos hoje deixará de existir. A venda da “opção de compra” na forma atual é prejudicial para os incorporadores, e será em breve para os consumidores, quando a regra for estabelecida, pois ele poderá perder parte significativa dos valores pagos, no caso de desistência. Assim, o estabelecimento da regra incentiva fortemente os dois lados a buscarem uma forma de venda e compra mais racional, mais consciente e, portanto, mais definitiva.

A opinião do Ifric expressa claramente o modelo de negócios atual. Se é fácil desistir, se a venda não é definitiva, não se apura receita, e consequentemente resultado por conta da venda de uma opção. Quando ela for definitiva, aí sim, apura-se o lucro. O estabelecimento do momento das chaves para a apropriação de receitas é pelo simples motivo de que é o momento em que as vendas se tornam definitivas, com a assinatura das escrituras dos apartamentos.

É importante esclarecer para aqueles que não conhecem os detalhes de como são apuradas as receitas das incorporadoras. Até então, as receitas (e o lucro), são apurados com base nas vendas das unidades e no POC (percentage of complition), que é o percentual incorrido do total do custo estimado para o terreno mais a construção.

Assim, se uma incorporadora, em um determinado mês, já vendeu 50% das unidades, e construiu 50% das obras, ele deverá ter apropriado 25% das receitas totais do empreendimento (50% de 50%), e consequentemente do lucro bruto estimado total do empreendimento.

Essa metodologia tem alguns problemas, e que podem causar (e já causaram) muitos erros de interpretação na análise das demonstrações financeiras das incorporadoras. Cito os principais:

– Como o lucro bruto é calculado com base no custo estimado de construção (pois o custo real só será conhecido quando a obra terminar), quando há um “estouro” no orçamento da obra (como foi muito comum nos anos de crescimento exponencial do setor), as incorporadoras, no momento que descobrem o desvio no custo orçado, revisam o orçamento da obra e devem, naquele momento, corrigir a margem bruta estimada para o empreendimento, inclusive estornando parte do lucro já apropriado. Esse fato criou no passado imensas distorções e oscilações nos lucros das incorporadoras, levando analistas e investidores a níveis altos de preocupação com a análise dos balanços das empresas. Se as receitas forem apropriadas com a obra pronta, essa distorção desaparece, pois, o custo final da obra será conhecido, e acabam-se as tendências de custo.

– A receita apropriada pelo POC não é a mesma coisa de entrada de caixa. Ou seja, a taxa de conversão de EBITDA em caixa muitas vezes não ocorre, em função das oscilações na tendência de custo de construção, conforme explicação acima. Em outros setores, a título de exemplo, a taxa de conversão do EBITDA em caixa (“taxa de conversão” pressupõem o tempo entre a entrada efetiva de caixa e o reconhecimento do EBITDA) é um indicador utilizado por analistas do mercado financeiro para avaliar a velocidade de geração de caixa nas empresas. Análise impossível de ser feita no mercado imobiliário com o formato atual de contabilização dos resultados. O fato de uma incorporadora ter reconhecido, por exemplo, 50% das receitas previstas, não quer dizer que ela recebeu em caixa 50% do total de recebimentos previstos. Pelo contrário, na imensa maioria dos casos esses números são completamente diferentes. Cito um exemplo: uma incorporadora já vendeu 100% das unidades e falta um mês para a conclusão da obra (usando no exemplo que ela já incorreu em 95% do custo previsto). Ela nesse momento, aponta em seu DER (demonstrativo de resultado), que ela já receitou 95% do total. Como , em geral, os clientes pagam em torno de 20% durante a obra (sem contar a parcela das chaves), a incorporadora recebeu, naquele momento, somente 20% do total, embora tenha receitado 95% do total. Embora o EBITDA seja calculado com 95% das receitas, no caixa da incorporadora só entrou 20%!

– Se ocorre uma desistência de uma unidade, (distrato), a incorporadora deve voltar aquela unidade para o estoque, e estornar a receita apropriada daquela unidade. Obviamente que esse movimento terá impacto também nas demonstrações financeiras, maior ou menor dependendo do estágio da obra (lembrando que se a obra estiver quase pronta, quase todo o lucro gerado por aquela unidade já terá sido contabilizado). Se falarmos que os distratos são exceções, eventos raros de acontecer, poderíamos conviver com seus efeitos, mas todos sabemos que não é o que acontece. Em 2016 tivemos 43% das unidades vendidas rescindidas, segundo dados do setor. Ao reconhecer a receita apenas com a conclusão da obra e outorga definitiva, esse efeito também é eliminado.

Portanto , julgo a decisão do referido órgão como certíssima, alinha as Demonstrações Financeiras dos incorporadores ao que acontece na prática do setor, e na minha opinião, alinha as DEF´s ao modelo que vislumbro para o futuro do setor, que é um modelo com mais equity, menos alavancado, com vendas mais perto da entrega da obra, sem a presença relevante de investidores (que não vão topar correr o risco de perder 10% do que pagaram no caso de queda dos preços), e principalmente com vendas mais conscientes, mais maduras e mais definitivas, uma vez que a opção não mais será de graça.

Acho que o setor sairá dessa discussão mais saudável, mais maduro, mais rentável, e mais transparente para todos os agentes.

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